Texto feito a partir de reflexões sobre o Podcast com Rita Mendonça no canal “Movimento Atreva-se!”, no Spotify e pensamentos do educador Paulo Freire.
Vivemos em um sistema capitalista que segue uma lógica linear que obedece um determinado padrão. Acontece que a natureza, e, portanto, nós seres humanos, seguimos uma lógica cíclica e singular. Por isso, nossas construções sociais, como é o caso da educação, devem seguir da mesma maneira.
O inacabamento
A partir da leitura de um recorte do livro “A virada vegetal” de Emanuele Coccia durante o início do podcast, fica evidente a nossa interdependência com a natureza enquanto seres humanos. A necessidade dessa compreensão é exigida para nos entendermos como parte de um todo, dentro de um contexto que não existe possibilidade de fragmentação, pois a natureza é feita de ciclos que possibilitam o inacabamento dos nossos recursos naturais, se fragmentamos, quebramos a ciclagem da vida.
O mesmo ocorre com o conhecimento, obedecemos a um processo cíclico e de constante transformação. Partindo do ponto de vista de Paulo Freire, somos despertados pela curiosidade, nos questionamos, interagimos com o meio e construímos um novo conhecimento e resolvemos a questão, e é justamente a compreensão de uma dada questão que nos move a mais reflexão e mais questionamentos. Esse ciclo nos faz seres inacabados, o que significa que, estamos sempre acrescentando novas peças no grande quebra-cabeça que somos. Para Freire onde há vida, há inacabamento.
Os ciclos nos permitem continuar na existência, pois são neles que nos reconstruímos.
A ideologia
Em outro aspecto também apontado na conversa durante o podcast é que nós seres humanos partimos de uma ideologia hierárquica: nos colocamos como superiores em relação as demais espécies, e entre a nossa própria espécie. Estabelecemos o que Freire vai definir como relação vertical, claro que ele apresenta isso dentro de um contexto escolar em que o professor é colocado como uma figura superior aos estudantes, mas da mesma forma não é isso que fazemos também em relação a natureza? Não nos achamos superiores, possíveis de controlar e interferir com o objetivo que ela nos sirva? Não é isso o que fazemos com as nossas crianças também? Não as criamos e condicionamos seus modos de pensar e agir para que obedeçam e cumpram o papel social de servir ao sistema? E mais... não é isso que estamos fazendo, servindo aos interesses de um sistema? Porque continuamos a compactuar com essa hierarquia?
Esse sistema parte de um viés ideológico, tudo que fazemos segue uma ideologia, Freire diz que não existe imparcialidade, todos somos guiados por uma ideologia, a pergunta é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?
Se assumimos que cada ser vivo compõe uma peça fundamental no planeta, reconhecemos e valorizamos o que cada um representa, da mesma forma que assumimos que reconhecemos e valorizamos cada ser humano na sua individualidade, então nossa base ideológica é inclusiva.
A diversidade
Compreendendo que cada ser desenvolve um papel aqui na Terra, devemos compreender a importância da diversidade. Rita apresenta essa perspectiva explicando que é graças a diversidade de formas de vida, que é possível manter a regulação de taxa de oxigênio na atmosfera, a produção e consumo deste é dado na medida exata que permite a vida. A diversidade permite o equilíbrio. Nas relações sociais, como as que construímos na educação, a diversidade também tem o seu valor, é na diversidade de ideias, jeitos, ações, pensamentos, modos de vida e de enxergar o mundo, que aprendemos, que desconstruímos e reconstruímos nossos conhecimentos. Aprendemos na interação, e é essa troca que nos permite desenvolvermos, que nos mantêm como seres inacabados.
Negligenciar o valor da diversidade é negligenciar a ordem natural da vida, é uma crença social que nos limita. Durante o bate-papo é evidenciado a nossa capacidade de construção de crenças durante a nossa evolução enquanto espécie, crenças essas que podem se tornar limitantes do que somos por natureza, porque de novo, somos seres condicionados e acreditamos naquilo que nos é imposto e o nosso sistema educacional é um dos principais responsáveis por silenciar nossa voz interior e nos obrigar a escutar o que não ecoa em nossos corações. O que acaba por nos afastar mais ainda dos outros seres, pois reforça a ideia de que devemos seguir um padrão, mas esquecemos que temos a natureza dentro da gente, nossos instintos, nossas vontades, e é isso que deve nos guiar. Para isso, precisamos modificar a maneira como vemos a educação, entendê-la como facilitadora do processo da nossa construção individual, como sujeitos pensantes, questionadores, agindo e lutando pelo que acredita, não como um meio de produção de mão de obra onde todos precisam se desenvolver da mesma forma para atender a demanda do sistema.
Esses três principais aspectos destacados transparecem a íntima conexão entre as nossas relações sociais e a nossa relação com a natureza. A transformação está na relação, seja ela qual for, com que for.
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